Da lavoura até a xícara: 60 anos da Cooabriel transformaram a história do café e do cooperativismo no Espírito Santo

• Por Bartolomeu Boeno de Freitas e Fábio Botacin

Vista de São Gabriel da Palha, cidade do noroeste capixaba.

“Vamos, vamos tomar um cafezinho!”. Assim, Rubem Braga conclui sua famosa crônica “Cafezinho” em que prescreve a bebida como um “remédio” para fugas necessárias no cotidiano. Por que não atender ao nosso querido cachoeirense e, junto com um cafezinho, conhecer a história dos 60 anos da Cooabriel – que inclusive pode ter sido responsável pelo grão ter chegado até aí, na sua mão?

Além da trajetória, a história de uma das maiores cooperativas do mundo é para inspirar, seja pela dedicação, seja pela transformação econômica que ela provoca.

Mas como nasce uma história de sucesso numa região do interior do Espírito Santo, onde até mesmo escoar as sacas de cafés colhidas com as mãos dos pequenos agricultores era difícil por falta de estradas?

A resposta pode não ser simples, mas aconteceu graças a mais de 30 produtores rurais de São Gabriel da Palha – incentivados pelo dinâmico padre Simão Civarelo – que de café em café (colhido ou bebido) se reuniam, discutiram e organizaram a Cooperativa Agrária dos Cafeicultores de São Gabriel Ltda, a Cooabriel. Data de nascimento? Dia 13 de setembro de 1963. Já são seis décadas de uma potência transformadora com cooperativismo e sendo agente de desenvolvimento socioeconômico inclusivo e sustentável.

Desafios e adversidades

Prédio da Cooabriel

O reconhecimento hoje é nacional, porém não tem acasos. O grupo fundador vivia num momento de incertezas: queda no preço do café, erradicação de cafezais, dificuldades econômicas, ainda como reflexos da Segunda Guerra Mundial;  instabilidade política e deposição de presidente (que levariam ao golpe militar de 1964 e a duas décadas ditadura). Como se não bastasse, a região onde nasce a cooperativa estava com um longo período sem chuvas.

A respeito desse episódio climático, registra o escritor Fábio Luiz Partelli, em sua obra “História de Vila Valério: Colonização, desenvolvimento e café conilon”: “Segundo José Colombi Filho, de dezembro de 1962 a início de 1963, a região de São Gabriel da Palha passou por uma grande seca, ficando 68 dias sem chuva, impactando as lavouras de café. Tanto que para se obter uma saca de café beneficiado eram necessários 32 sacos de café maduro” (Partelli, 2016).

Sem solução aparente para tantos problemas, milhares de capixabas que viviam da agricultura deixaram o campo e migraram com suas famílias para a capital Vitória – ou para outros estados, como Paraná e Rondônia – em busca de sobrevida. Contudo, muitos outros resistiam – e se uniam.

Nesse momento, em que sequer o termo ‘agronegócio’ era usado, já podemos chamar de fundadores da Coabriel quem encontrou no grupo a tentativa de transformar aquela crise e enfrentar o êxodo.

Assim temos Batista Colombi, José Scalfoni, Cesar Zani, Loclarindo Lorenzoni, Alcides Spadeto, José Teodoro Dias, Mário Bragatto, Gustavo Milbratz, João Colombi, Fernando Mauri, Daniel Pelissari, Stefanio Thomas, Aurélio Bastianello, Aurélio Dalapícola, Mansueto Colombi, José Cavatti, Vicente Colombi, João Cavatti, Placindino Angelo de Freitas, Domício Pinaffo, Miguel Piekarz, Sebastião Toniato, Elizeu Scalfoni, Ailton Cavatti, José Mauri, Ernesto Catani, Tranquilo Uliana, João Colombi Sobrinho, Alcindo Lorenzoni, Alcino Carletti, João Batista Bastos, Izauro Montovalnelli, Zelindo J. Trêz, Anastázio Pinaffo, Joventino de Souza, José Pereira Irmão e Fideliz Marchesi, além do Instituto Comboniano de São Gabriel. O padre Simão foi eleito primeiro presidente da cooperativa.

Evolução para ‘maior do Brasil’

Um dos primeiros momentos foi estruturar a organização e uma antiga mercearia sediou o ponto de partida, quando fornecia produtos básicos para os cooperados. De lá, até os dias atuais, com sua robusta estrutura, a Cooabriel avançou. E isso também está na história.

Para entender o papel da Cooabriel no ambiente do agronegócio e da cafeicultura, tanto capixaba, quanto nacional, é preciso conhecer de antemão que tudo está balizado pelo cooperativismo. Significa a missão de “promover o desenvolvimento dos cooperados, colaboradores e sociedade, através do agronegócio inovador e sustentável”.

Aos 60 anos, a Cooabriel é a maior cooperativa de produtores de café conilon do Brasil. Conta atualmente com 462 colaboradores e reúne mais de 7.500 cooperados no Espírito Santo e na Bahia. Em 2022, ano de recorde de safra, a cooperativa recebeu 2.043.928 sacas de café e comercializou mais de 1,7 milhões de sacas do produto. Seu faturamento no ano foi de R$ 1,8 bilhão – volume que representa 37% de aumento em relação a 2021 e crescimento de 110% em dois anos -. Para 2023, a expectativa é de que o faturamento alcance números semelhantes.

A primeira mercearia guarda a história do cooperativismo no ES

A Cooabriel encerrou 2022 com um volume de exportação superior a 118 mil sacas de café, o que equivale a cerca de 10% do volume de conilon exportado pelo Espírito Santo no período.

De acordo com o Anuário IEL 200 Maiores e Melhores Empresas do Espírito Santo 2022, a Cooabriel ocupa a 20ª colocação entre as maiores empresas do Estado. Também aparece no 6° lugar entre as maiores empresas do setor de comércio atacadista e ocupa a 11ª posição entre as empresas de capital exclusivamente capixaba. Outra posição importante aparece no anuário Globo Rural, que apontou a cooperativa na 181ª posição entre as 500 maiores empresas brasileiras do agronegócio.

E mesmo com grandeza desses números, os cooperados são 80% de base de economia familiar. Isso revela que eles acabam investindo um volume significativo de dinheiro nos próprios municípios onde estão.

A Cooabriel conta com uma ampla estrutura que visa a atender ao conjunto de demandas dos cooperados e demais integrantes da cadeia produtiva da cafeicultura. Nessa prestação de serviços, o cooperado encontra suporte para as atividades produtivas, desde a escolha da área de plantio até a comercialização dos cafés produzidos. Essa estrutura envolve vários serviços.

Armazenagem – Com capacidade de armazenar 1,74 milhão de sacas, a Cooabriel investe pesado nessas estruturas. Conta com 12 armazéns modernos e equipados. Essas unidades, no Espírito Santo, localizam-se nos municípios de Águia Branca, Alto Rio Novo, Boa Esperança, Guaraná (Aracruz), Jaguaré, Nova Venécia, São Gabriel da Palha, Vila Pavão e Vila Valério. No Estado da Bahia, há armazéns em Itabela, Teixeira de Freitas e Camacãn (onde ocorre a construção de um novo armazém).

Se o dito popular “de grão em grão” pode ser usado com licença poética, a Cooabriel permite isso. A cada pé de café colhido, cada saca preenchida e toda a cadeia que se movimenta com isso, os 60 anos da cooperativa acabaram transformados também em lições e para onde os caminhos devem seguir. Inclusive, a data ganhou um lema: “Unidos no presente – conectados pelo futuro”.

“Longevidade duradoura”

Luiz Carlos Bastianello

O presidente da Cooabriel, Luiz Carlos Bastianello, também é testemunha dessa História e, assim como muitos cooperados da nova geração, dá sequência ao legado de seus pais. Filho de Aurélio Bastianello, um dos fundadores, Luiz é cooperado atuante na Cooabriel desde 1982.

“Temos uma história significativa que nos ajuda a compreender o caminho percorrido até aqui, onde estamos, e onde queremos chegar. Temos atuado com o firme propósito de alcançar uma longevidade duradoura. Para isso, é fundamental trabalhar tanto com relação à sucessão institucional quanto pela sucessão familiar dos nossos cooperados, para que possamos planejar o nosso futuro e alcançar nossos propósitos”.

Bastianello destacou que o trabalho desenvolvido por todos, inclusive por ele, é de cuidado com patrimônio e com vidas.

“Como presidente da Cooabriel, trago comigo o compromisso de entregar aos cooperados o que eles anseiam, e que isso traga o sentimento de estarem realizados ao fazerem parte da cooperativa. Trago também a responsabilidade de suscitar nas mais de 7.500 famílias cooperadas, que têm o café como principal fonte de subsistência, a consciência de o quanto a cooperativa é importante na região onde atua. Meu desejo é que a Cooabriel continue pujante e que realmente traga inúmeros benefícios aos seus cooperados. Temos feito esse trabalho com seriedade para conduzir a cooperativa ao patamar que ela merece”, afirmou.

“A cooperativa é nosso braço direito”

Amarildo Antônio Siqueira

E mesmo que você ainda não tivesse conhecido o trabalho da cooperativa para entender como essas histórias se conectam, as palavras do cooperado da Cooabriel em Jaguaré, Amarildo Antônio Siqueira, conseguem aproximar isso.

“O cooperativismo nos ajuda a vencer os obstáculos e une os elos da cadeia produtiva. Agradeço à Cooabriel, pois a cooperativa é nosso braço direito e os colaboradores estão sempre dispostos a nos atender. Mesmo sendo um pequeno agricultor, com o meu trabalho na lavoura consegui realizar o sonho de formar meu filho como engenheiro agrônomo e isso é muito gratificante”, disse.

Cooabriel e conilon: uma longa história

O café está presente de ponta a ponta na história da Cooabriel, especialmente o café conilon. Graças ao trabalho da cooperativa ao longo dos anos, o conilon é hoje reconhecido como bebida de qualidade e excelência no mercado de café.

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Historicamente, o café é o produto que mais gera emprego e renda no setor agropecuário capixaba, sendo cultivado por todas as classes de produtores, principalmente nas propriedades de base familiar.

O Espírito Santo é o maior produtor de café conilon do Brasil e municípios do norte, como Rio Bananal, Vila Valério, Jaguaré, São Gabriel e Nova Venécia, entre outros, se destacam na produção.

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De acordo com o Boletim da Conab – Companhia Nacional de Abastecimento – Safra 2023 de café, o Espírito Santo produzirá este ano em torno de 10,5 milhões de sacas do produto. A área de produção é da ordem de 261,9 mil ha. Em nível de país, a estimativa de produção do conilon para este ano é da ordem de 16,8 milhões de sacas.

Segundo o escritor Fábio Luiz Partelli (2016) o pioneiro no cultivo do conilon em São Gabriel da Palha, no final dos anos 1940, foi Ernesto Caetano. Sua propriedade ficava em Córrego Dourado, atualmente município de Vila Valério (que é um dos líderes da produção capixaba). Com mudas de Caetano, o produtor João Colombi também plantou uma área do café em 1951. Daí em diante, a fama dos bons resultados das lavouras se alastrou, tornando o conilon a grande esperança para região.

Assembleia de cooperados mostra a força da Cooabriel.

O café conilon produzido no Espírito Santo recebeu em 2021 o registro de Indicação Geográfica (IG), na modalidade Indicação de Procedência (IP), pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). A certificação é concedida quando um país, cidade, região ou localidade se tornam conhecidos pela produção, extração ou fabricação do produto.

Nessa história há de se lembrar também de uma personalidade em especial: Dario Martinelli. Ex-presidente da Cooabriel (1993 a 1999), Martinelli foi vereador e prefeito de São Gabriel por dois mandatos, além de deputado estadual e teve papel destacado na produção, distribuição, incentivo e divulgação do conilon capixaba. Por isso é chamado o “Pai do Conilon”. Dario Martinelli faleceu em 2015 aos 82 anos. Foto Cooabriel

Passear pela história da Cooabriel é conhecer como foi possível desenvolver grande parte do território norte do Espírito Santo baseado numa agroindústria que passou por grandes desafios e até um êxodo populacional. E para além das casualidades do destino, foi o trabalho e persistência de uma geração de capixabas que está no pilar do atual ciclo econômico que planta investimentos, colhe a renda para manter a agricultura familiar forte e sustenta cidades inteiras com a arrecadação da colheita.

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Que a cooperativa seja o exemplo necessário para fortalecer tantas outras ou fazer com que a trajetória seja a inspiração para reunir mais capixabas empreendedores. O trabalho não será pouco, nem fácil. Mas o cafezinho que estiver à mão, pode ser,  justamente, o impulso que vem das lavouras, das colheitas e do beneficiamento da Cooabriel.

E agora, vai uma xícara?