Nem sempre basta trocar o técnico

É bem conhecida no meio do futebol a ideia que, quando os resultados não aparecem, é mais fácil trocar o técnico do que toda equipe.

Mal comparando, o recrudescimento da criminalidade violenta no Espírito Santo deu ensejo a uma medida comum, adotada em momentos de desempenho aquém do esperado: a troca recente do secretário de segurança.

Parece uma medida lógica, mas nem sempre consegue virar o jogo.

De antemão esclareço que não faço aqui qualquer juízo de valor sobre o trabalho de quem deixou ou quem assumiu o honroso cargo. O foco da discussão proposta é outro.

Como no futebol, a mudança pode surtir algum efeito imediato, mas não necessariamente sustentável com o passar do tempo e, o que é pior, pode encobrir problemas maiores que não são resolvidos com uma mera dança das cadeiras.

Na maioria dos casos não se trata de um problema relacionado à pessoa do gestor, mas sim de elaboração e desenvolvimento de uma política pública.

O planejamento estratégico no âmbito da Segurança Pública no Espírito Santo, em sucessivos governos, foi concebido como um típico modelo de gestão orientada por resultados. Assim, por definição, deve passar, atingidos determinados marcos (temporal ou em função dos resultados), por verificações e reavaliações.

Assim, após a definição do escopo, visitas técnicas, benchmarking e com as devidas adaptações ao cenário da segurança pública capixaba, o modelo foi desenhado e, aos poucos, foi introduzindo elementos que hoje são comuns na rotina de reuniões da pasta, mas que, até então, faziam parte apenas do cotidiano corporativo e de algumas boas práticas em curso no país.

Por força dessa lógica criou-se a cultura da consciência situacional (literalmente saber o que estava acontecendo) com base em dados e informações de inteligência, passou-se a adotar a estratégia da corresponsabilidade territorial compartilhada entre as polícias civil e militar, foi incorporada uma saudável rotina de reuniões integradas para análise do cenário criminal e definição de ações operacionais conjuntas ou isoladas, além da definição de indicadores e metas que eram – e são até hoje em dia – analisados nessas reuniões.

Em suma, trata-se de um processo de melhoria contínua, pois esse modelo de gestão tem como premissa que o planejamento em si não deve ser estanque, mas necessita ser submetido constantemente a revalidações e, eventualmente, reavaliações.

Cabe assim, por exemplo, descartar ações com pouco ou nenhum impacto no resultado finalístico pretendido e a adoção de outras estratégias igualmente mensuráveis.

Sem isso, é provável que, com o passar do tempo, as ações de controle da criminalidade caiam na formalidade e sejam prejudicadas por uma burocracia “autofecundante e expansiva”, que quase sempre gera um efeito paralisante muito prejudicial ao processo.

O recrudescimento dos homicídios neste primeiro semestre de 2020, sem causa aparente e após um longo período de redução de indicadores iniciado em 2010,demonstra que um dos marcos foi atingido.

A circunstância requer uma necessária revisão de estratégias, novos diagnósticos, o descarte de indicadores inúteis, maior integração no planejamento e nas ações operacionais das polícias, capacidade de se antecipar às tendências sazonais de aumento da criminalidade e a maximização dos esforços operacionais (na realidade brasileira nenhum gestor terá à mão recursos operacionais e humanos suficientes).

Tudo isso sem falar na avaliação de impacto de cada intervenção, seja operacional, seja preventiva, previstas no modelo original, pois sem o foco na prevenção territorial os resultados não irão se sustentar no longo prazo.

Esse quadro pode se agravar quando se dá muita importância – e perde-se tempo – ao preenchimento de relatórios inúteis que não vão ter impacto no resultado finalístico e à maçantes reuniões que, a pretexto de monitorar as ações, passam a fazer parte de uma  rotina estéril.

Em suma, a lógica da gestão orientada por resultados afasta outra máxima típica do futebol que estabelece que em time (planejamento) que está ganhando não se mexe.

A melhoria contínua impõe justamente o contrário.