O Legislativo e sua dignidade

Faz um tempinho, estava a lembrar das leituras do período de conclusão do mestrado e me veio à mente uma obra que não dei, num primeiro momento, a devida atenção. O livro “A Dignidade da Legislação” foi escrito pelo jurista neozelandês Jeremy Waldron.

Para Waldron, o lugar da legislação nas sociedades democráticas é indiscutível. Conceitualmente não há como discordar que as normas de convivência e de organização de uma sociedade política devem ser concebidas na arena de representação popular.

Mas então, como explicar a descrença nessa atividade tão relevante? Por que, especialmente em nosso país, ouvem-se gritos cada vez mais despudorados em favor do retorno de regimes autoritários? Como recuperar a crença na democracia?

Lembrando Churchill, embora a democracia seja “a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras”, é fato que a preferência pelo regime democrático, com todos os defeitos e virtudes, é regra geral nos países do mundo ocidental.

Uma questão importante está intrinsecamente relacionada à desigualdade, carências materiais e, notadamente, do nível de retidão, seja dos representantes políticos, seja do próprio cidadão.

Não há sociedade bem sucedida que não preserve um mínimo de honestidade como valor fundamental, tanto para a prática política, quanto, especialmente, nas relações privadas.

A resposta, claro, passa pela educação, não somente aquela oferecida pela escola, mas também com a participação ativa de todos que possam colaborar com a divulgação de conceitos, institutos, valores, direitos e deveres caros à democracia e à vida em sociedade.

Não há como negar que temos uma carência enorme de espaços de discussão sobre a verdadeira participação política e a importância do domínio de conceitos básicos para o exercício da cidadania.

Nesse contexto, não há como deixar de lado que o legislativo deve estar inserido nesse contínuo processo de aperfeiçoamento que passa, necessariamente, pela educação formal e moral de nosso povo e pela consequente escolha consciente, livre e independente de seus representantes.

Sendo conservador ou não, revolucionário ou reacionário, como lembra o jornalista português João Pereira Coutinho é preciso “preservar o melhor que, com base na tradição democrática, ela criou para garantir a paz, a liberdade dos cidadãos e o vigor das instituições”.

Em tempos de lava-jato, quantidades inimagináveis de dinheiro em malas e apartamentos, denúncias de todo gênero que envolvem atores políticos e, agora, de pandemia, a verdade é que temos, talvez, uma oportunidade única para depuração e melhoria de nossa representação.

Mas essa mudança de padrão deve se dar em todos os espaços, público e privado, pois só assim será possível vislumbrar um país melhor e mais preparado para convivência com os valores democráticos, preservando um legítimo espaço para a  (boa) política cumprir sua tarefa nas sociedades democráticas.